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Livro "Reflexões Sobre a Música Gospel Brasileira: Um Olhar Crítico", de José Ruy P. de Castro

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José Ruy Pimentel de Castro, ou Zé Ruy, é vice-presidente do Instituto Política Global, professor, músico, cantor, compositor e poeta. É bacharel em Relações Internacionais pela UVV, licenciado pleno em Letras-Inglês pela UFES e mestrando em Relações Internacionais pela UNLP (Universidad Nacional de La Plata/Argentina). Autor do livro de poesias "Tricotomo", pela CBJE, e do livro "Reflexões Sobre a Música Gospel Brasileira: Um Olhar Crítico", pela Oxigênio Books em parceria com a Arte Editorial. Seu nome artístico em suas obras musicais é Zé Ruy e sua última obra foi lançada em 2008 intitulada "Será Que Existe Alguém Pra Nos Salvar?". O artista faz parte do cast da gravadora Oxigênio Records.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

LEVITAS?

- Sobre as canções do evangelho capenga -
- Texto de autoria de Giancarlo Marx e extraído do blog Genizah http://www.genizahvirtual.com -


Como alguns já sabem, eu sou músico, e atuo com música na igreja há alguns anos. Pra terem uma idéia, aos 7 anos mais ou menos (quando comecei a "violar o tocão") no meio do culto pedia pro meu pai abrir espaço pra eu sentar no palco e tocar uma das duas canções que eu conhecia: "Meu Barco é Pequeno", ou então "Quando Estou com o Povo de Deus", verdadeiros clássicos do cancioneiro cristão (rs).


Vinte e dois anos se passaram desde o garotinho com duas músicas no repertório, nesse tempo eu vi e ouvi muita coisa. Desde a superproduzida galera do Salt, passando pelos "corinhos" singelos e desafinados da Romilda. O som adolescente do Rebanhão, o rock rebelde do Brother Simion. Até chegarem os importados Maranata! e Hosana! (pra quem não conhece, eram dois selos americanos rivais, o avós do Hillsong e do LifeHouse).


Talvez uma das mudanças mais destrutivas que vi nesse período tenha sido a transformação do serviço de música em "Ministério Levítico". Há até o absurdo de um projeto para um programa estilo "Ídolos" que se chamaria "Levitas". Felizmente o projeto não saiu do papel (ainda).


Primeiramente o que é um levita? Trata-se de uma famíla, uma das 12 tribos de Israel, que era destinada a TODO serviço no tabernáculo, e mais tarde no templo. Eles eram músicos. Mas também eram porteiros, faxinheiros, sacerdotes.


Acender o menorá, trocar os pães da preposição, a água da bacia, isso era função do levita. Também eram carregadores. Somente eles eram autorizados a carregar a arca da aliança e as partes do tabernáculo, que eles mesmos montavam e desmontavam sempre que a nuvem ou a coluna de fogo estacionassem em algum ponto do deserto.


Então a música era apenas uma dentre tantas funções dos levitas. Curiosamente o livro de "Levítico" não tem nenhuma canção.


Nesse ponto alguns chegam a pensar: "Então todo mundo que trabalha na igreja deveria ser chamado de levita"... Ao que caberia a resposta: "Se essa igreja não fosse cristã, pode até ser".


Isso porque Jesus, o fundador da SUA igreja, não era levita. Ele era da tribo de Judá, certo? Logo aqueles que foram gerados nele não são gerados pela linhagem de Levi. Isso dá um nó na cabeça.


No capítulo 7 do livro de Hebreus há uma excelente explanação sobre o tema. Sobre Jesus, Paulo afirma que ele é "sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque".


"De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia logo de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e não fosse chamado segundo a ordem de Arão?"


Então Jesus e nenhum de seus seguidores são feitos levitas. (nem mesmo os músicos... rs)


O que nos leva a outro ponto ainda mais delicado. Vejo muita gente falando em "Ministério de Música" ou o pior ainda "Ministério de Louvor e Adoração". Oras, se é de fato um ministério de Louvor e Adoração, podemos definir o que é Louvor e Adoração?


Tecnicamente falando, ja ouvi o Gerson Ortega definir (em linhas gerais) Louvor como exaltação, e adoração como Gratidão. Gostei demais. Mas parece que ele esqueceu de botar a música na parada. Sim, pois os "ministérios de louvor e adoração" que conheço são todos de músicos.


Num outro artigo meu publicado aqui cheguei a definir adoração em espírito e em verdade. Se você der uma olhadinha la vai perceber que essas coisas não são do tipo que podemos confiar que outros façam pela gente. Louvar e adorar não são "ministérios", mas sim atitude daqueles que conhecem o amor de Deus.


Também não gosto de chamar as músicas cristãs de "louvores". Afinal, a canção pode se tornar louvor de acordo com o coração de quem canta. Ou pode se tornar vergonha para Deus, se for entoada em glória própria. Logo uma música também não é louvor, tanto quanto um prato não é comida e um copo não é bebida. A música é apenas um dos possíveis recipientes do louvor, que pode ser expresso das mais diversas formas. Até mesmo lavando os pés do mestre com suas lágrimas e os enxugando com seus cabelos. Quem diria que uma higienização tão peculiar poderia ser uma manifestação de louvor?


Se para você (assim como para mim) parece que ao chamarmos os músicos cristãos apenas de "músicos", e as músicas cristãs apenas de "músicas" estaremos rebaixando-as de categoria, então aparentemente estamos no caminho certo.


"Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado." Lucas 14:11

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O EVANGELHO INTERESSEIRO

- Sobre o evangelho capenga das canções -

Essa faceta do evangelho pós-moderno está profundamente ligada ao que chamei anteriormente de evangelho individual. Poderia dizer, aliás, que este artigo é uma continuação do artigo homônimo citado. Vou, portanto, com este artigo, ampliar o que já foi discutido. Sugiro, para melhor entendimento, que o leitor leia antes o artigo intitulado “O evangelho dos meios”, pois o autor referenciado nesse artigo também é Charles Finney.


Tentando explicar os vários pensamentos e teorias a respeito da obrigação moral que possui aquele que exerce o governo moral, Finney cita a Teoria do Interesse Próprio de Paley. As pessoas que pensam a obrigação moral através do prisma dessa teoria de Paley acabam agindo como se o próprio interesse fosse o bem supremo a ser buscado.


Talvez o leitor ache um absurdo que alguém pense de forma tão interesseira, mas temos de constatar que muitos cristãos pelo menos agem dessa maneira. A falta de amor de alguns por si só já é uma constatação de que não se considera o semelhante da mesma forma ou até mesmo de forma superior a si próprio. As práticas em nossas igrejas também não são tão diferentes; as mensagens dedicadas à satisfação do ego dos ouvintes e as canções entoadas com temas como “você vai vencer” também revelam isso. Nosso cristianismo realmente se tornou interesseiro.


É claro que esse nosso comportamento não se dá pelo entendimento da teoria de Paley, mas é possível encontrar reflexos dela num dos preceitos fundamentais do pentecostalismo; a chamada “fé no bom Deus”. Esse preceito diz que Deus é bom e que deseja o melhor para os Seus filhos. Deus deseja que Seus filhos sejam prósperos, abençoados, saudáveis, etc. Até aqui, tudo bem. Também creio num Deus bom e creio que a bondade dEle e a busca pelo bem-estar máximo do universo o obrigam a ser assim. O problema está em inverter a relação de importância, e isso é permitido pela fé no bom Deus. Por vários motivos, a fé no bom Deus pode servir para que líderes cristãos, visando contribuições altas ou uma igreja sempre cheia, invertam a relação de importância Deus>Interesse Próprio para Interesse Próprio>Deus. Obviamente, isso não é proclamado dos púlpitos (e creio até que muitos pastores e líderes cristãos, com base em suas vivências de “berço” evangélico, por exemplo, nem acredite ou realmente perceba que vive dessa forma. Sobre isso, falarei mais adiante.), mas o fato é que se age dessa forma e, implicitamente, inculca-se através das práticas religiosas a Teoria do Interesse Próprio de Paley.


A teologia da prosperidade, uma teologia claramente voltada ao interesse próprio, veio da fé no bom Deus. Esse é um bom exemplo de como se inverteu as relações.


Não quero dizer aqui que Deus não se importa com nossos problemas, ou que Ele esteja tão longe que não se importe conosco. Mais uma vez, estou alertando para que não invertamos a importância das coisas. É interessante observar hoje como as pessoas na igreja preferem ouvir palavras de satisfação pessoal ao invés de glorificarem a Deus por verdades perpétuas que perpassam a própria existência delas mesmas. Hoje, a mensagem da Cruz tem desaparecido dos púlpitos, as verdades eternas da santidade de Deus, da Sua dignidade e de Sua honra têm sumido de nossos cânticos. Temos preferido cantar sobre promessas e vitória sobre os nossos inimigos. Isso não é nada mais, nada menos que um evangelho interesseiro!


Que Deus nos ensine a viver um evangelho genuíno, tendo em vista sempre a glória dEle. Que possamos verdadeiramente dizer: “menos de nós, Senhor, e mais de Ti”.


* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O EVANGELHO INDIVIDUAL

- Sobre o evangelho capenga das canções -

Donald A. Carson, teólogo, em seu livro “Os perigos da interpretação bíblica”, adverte-nos quanto a falácias que podem ocorrer durante a interpretação dos textos bíblicos. Sua análise se divide em vários tipos de falácias que podem ocorrer com respeito à semântica de um texto, à lógica empregada, entre outros. É importante que tanto pregadores como ouvintes saibam, ou pelo menos tenham alguma noção, de quais serão as “ratoeiras” de entendimento que podem ser usadas, ou nas quais possamos cair, que mudam o entendimento do texto das escrituras.


Primeiramente, há de se convir que o entendimento exato do que um dia foi dito e/ou escrito está muito longe de se ter. O que ainda nos guia no entendimento do texto é o seu contexto. Sendo assim, várias falácias podem ser usadas para que se passe mais do que o texto deseja transmitir, ou para adaptá-lo às experiências pessoais de alguém a fim de que se passem por verdades absolutas baseadas num texto sagrado.


O que chamo de evangelho individual aqui neste artigo é exatamente o que Carson chama de “confusão de cosmovisões” dentro do capítulo de “falácias lógicas”. Como ele próprio define, essa falácia “consiste em alguém acreditar que a experiência e a interpretação da realidade individuais de uma pessoa são a estrutura adequada para se interpretar o texto bíblico”. Numa época em que a teologia da prosperidade impera e os cultos antropocêntricos se proliferam, não há nada mais perigoso que isso. Carson nos dá um exemplo de como isso pode acontecer: “Ouvimos a Palavra de Deus ordenando que tomemos nossa cruz e sigamos o Senhor Jesus Cristo, e transferimos de tal forma nossa experiência individual para o texto bíblico que nossa ‘cruz’ torna-se reumatismo, falta de dinheiro, um parente irascível, um colega de quarto desagradável, uma derrota pessoal ou mesmo (Deus nos perdoe!) um gracejo”. Tudo isso, Carson adverte, são coisas externas. Na verdade, a cruz para os cristãos do primeiro século era a morte dolorosa proporcionada por ela. Isso nos mostra que o entendimento de “cruz” deveria ser interno (nós devemos morrer) e não externo (um problema que venhamos a passar e sofrer).


Tal interpretação, em confusão de cosmovisões, nos faz adaptar os textos das escrituras àquilo que melhor nos convém. Quanto a isso, Carson diz que é necessário que, ao interpretarmos um texto, mantenhamos distância dele. “A menos que reconheçamos a distância que nos separa do texto que está sendo estudado, iremos negligenciar diferenças de perspectiva, vocabulário e interesse; e involuntariamente estaremos transferindo nossa carga mental para o texto, sem nos determos para questionar se isso é apropriado”.


O evangelho individual é aquele que se encaixa e é aplicado de acordo com nossas vontades e conceitos. Muito me espanta, e me faz ficar receoso do futuro de nosso cristianismo, que as pessoas venham à igreja apenas para assistir um culto ou “receber a chave da vitória”. As mensagens são direcionadas às emoções do povo, e quanto mais “glória a Deus” se dá, mais avivada entende-se que a igreja é. Mas será isso realmente o que o evangelho pleno tem a proporcionar aos crentes? Será que não há mais mensagens que venham de encontro ao modo de vida das pessoas para que elas mudem aquilo que não condiz com uma vida de servo de Deus?


Meu desejo, através deste texto, é o de que seus leitores possam estar atentos às manipulações que os que usam da preleção possam fazer e, além disso, submeter sua própria vontade ao texto sagrado, e não o contrário. Precisamos nos distanciar o bastante para não sucumbirmos aos caminhos mentais que possamos tomar diante do texto e que nos leve para longe do seu entendimento, tendo sempre o cuidado de não nos distanciarmos tanto que não venhamos a ser tocados pela Palavra de Deus.


* Referência: CARSON, Donald A. Os Perigos da Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2005.