- Sobre o evangelho capenga das canções -
O grande teólogo e avivalista Charles Finney já havia, no século XIX, abordado um assunto ligado ao que eu chamo aqui de “evangelho dos meios”. Entretanto, antes de comentar o evangelho dos meios, necessitamos lembrar daquilo que o próprio autor nos aclara em seu livro “Teologia Sistemática”; o chamado “governo moral”.
Temos de falar aqui de lei, necessariamente. As leis que estão ligadas diretamente às verdades primeiras e que não necessitam de provas, principalmente, são as leis físicas ou naturais. Não é necessário provar que eu existo. É um fato absoluto e incontestável. Duvidar disso seria absurdo. Aliás, isso não está ligado ao nosso intelecto para ser provado, como diria Descartes com sua frase “cogito ergo sum”. A existência perpassa isso.
As leis naturais existem porque existe um governo natural. Existe uma natureza específica para as coisas da lei física, e o conjunto dessas leis nos remetem à realidade e, por conseqüência, à própria natureza. Não é possível que não aceitemos, por exemplo, a lei da gravidade. Podemos fechar nossos olhos, fingir que ela não existe. Mas isso não muda os fatos. Isso não depende de nós ou de nosso intelecto. Faz parte do governo físico da natureza.
Por não aceitarmos o fato que é a lei da gravidade, podemos dizer então que o governo físico é autoritário? De forma alguma. As leis físicas e naturais estão aí para o bem-estar do indivíduo e das coisas que Deus criou e “viu que era bom” (Gn 1).
Sigamos agora ao governo moral. O governo moral é composto por leis morais, e a principal característica dessas leis, que as difere das do governo físico, são as sanções. O governo moral só é possível por haver indivíduos morais.
A natureza do governo moral está totalmente conectada ao próprio Deus. O fato da existência de Deus só é entendido pela fé. Ou seja, é uma verdade absoluta que só é entendida mediante a fé devido ao fato de que a revelação dessa verdade, aos moldes da discussão sobre verdade de Finney em seu livro já citado, nos é possível através do pré-requisito da fé. Afinal, é necessário que aquele que se aproxime dEle assim o creia (Hb 11.6). De outro modo, isso é impossível.
Por não aceitarmos o fato da existência de Deus, podemos dizer então que o governo moral é autoritário? De forma alguma. As leis morais estão aí para o bem estar do indivíduo e do universo. O governo moral abrange Deus e os homens, pois são de natureza semelhante. Afinal, o homem foi feito à Sua imagem e semelhança. Algum homem pode governar moralmente? Sim, se for o mais apto a fazê-lo. Porém, dentre Deus e os homens, é óbvio que Deus seria a pessoa mais apropriada a governar. Sendo assim, o próprio Deus está sob o governo moral exercido por Ele, não podendo contrariar Sua própria natureza.
Por haver um governo moral, existem leis morais. As leis existem, como já vimos, não para manter um autoritarismo (se fosse esse o caso, Deus não precisaria estar sujeito a Suas próprias leis), mas para estabelecer o bem-estar de todos os indivíduos. Quando alguém infringe a lei, essa pessoa age de forma contrária ao bem-estar coletivo e está sujeito às sanções da lei de Deus. Mais uma vez, ir contra os fatos do governo moral por mera insubmissão ou rebeldia nos faz tão insanos quanto alguém querendo vencer a lei da gravidade pulando de um avião.
Assim, vemos que a própria ética é exatamente a defesa do governo moral, pois dessa nossa defesa e vivência depende o bem-estar dos homens, de Deus, e dos homens para com Deus. O próprio Finney diz que o governo moral é mais amplo que suas leis. Se assim não o fosse, Deus estaria satisfeito com os rituais sem vida e vazios que eram feitos a Ele quando enviou os profetas para falar ao povo de Israel e Judá. Por não estar satisfeito, Deus enviou Jesus para restaurar no coração do homem o sentido da lei e levá-lo ao pleno entendimento do governo moral.
Agora sim podemos falar daquilo que é o tema desse artigo: o “evangelho dos meios”. Quero colocar em pauta a nossa conduta como cristãos. Será que temos entendido os princípios do governo moral ou estamos vivendo sob a permissividade da lei, sem atentar ao espírito do governo moral?
O evangelho dos meios é aquele que não leva em conta a ética. Sobre isso, nós, cristãos, precisamos aprender muito. Precisamos aprender que tudo aquilo que é para benefício próprio e que pode, pela mais remota possibilidade, prejudicar nosso semelhante é uma ofensa grave a ética e ao governo moral. Sobre isso já dizia Paulo que considerássemos nossos semelhantes maiores que nós mesmos. Fofocas, calúnias, corrupção, compra de produtos falsificados ou uso de drogas (prejudicial à própria sociedade e ao bem-estar dela) são exemplos de afronta à lei que sofrerão as sanções que nela estão ou que o governante moral determinar (caso ocorra uma afronta ao governo que não necessariamente seria uma afronta a uma lei. Lembremo-nos que o governo é maior que a lei, e a lei sem governo é ritualismo vazio e morto).
Amigos cristãos, paremos de “baixar” músicas de Internet sem pagar o que é devido pela produção artística. Paremos de trocar por senhas menores as nossas próprias senhas em filas de banco. Paremos de emprestar nossos púlpitos para que nelas sejam repassadas mensagens de apoio político. Ainda sobre política, paremos de nos beneficiarmos de apoio político para a festividade da igreja a fim de barganharmos nosso voto. Pastores, paremos de pensar em nossos membros como meio de elegermos, com o voto deles, o nosso político para dele conseguirmos favores.
Em tudo isso, observamos que o fim maior da ética não é devidamente seguido pelo nosso cristianismo. Nosso evangelho tem sido o evangelho dos meios, e não do fim maior, que é a glória de Deus. Temos vivido à margem da lei moral e longe do governo moral e do sentido que deve ter na própria legislação moral. Lembremo-nos que o amor é o maior dos mandamentos e que aquele que não ama não conhece a Deus, como já dizia João em sua primeira carta. Se não consideramos nosso próximo maior que nós mesmos, não amamos nosso próximo como deveríamos e, se não o amamos, não conhecemos a Deus, aquele que exerce o governo moral do universo.
E então, será que vamos continuar pulando do avião para testarmos a lei da gravidade?
* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.
José Ruy P. de Castro (ou Zé Ruy)