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Livro "Reflexões Sobre a Música Gospel Brasileira: Um Olhar Crítico", de José Ruy P. de Castro

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José Ruy Pimentel de Castro, ou Zé Ruy, é vice-presidente do Instituto Política Global, professor, músico, cantor, compositor e poeta. É bacharel em Relações Internacionais pela UVV, licenciado pleno em Letras-Inglês pela UFES e mestrando em Relações Internacionais pela UNLP (Universidad Nacional de La Plata/Argentina). Autor do livro de poesias "Tricotomo", pela CBJE, e do livro "Reflexões Sobre a Música Gospel Brasileira: Um Olhar Crítico", pela Oxigênio Books em parceria com a Arte Editorial. Seu nome artístico em suas obras musicais é Zé Ruy e sua última obra foi lançada em 2008 intitulada "Será Que Existe Alguém Pra Nos Salvar?". O artista faz parte do cast da gravadora Oxigênio Records.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

OS CAMINHOS DA MÚSICA CRISTÃ NO BRASIL

- Sobre as canções do evangelho capenga -
- Texto de autoria de Nelson Bomilcar e extraído do blog MC3 na Pauta http://mc3napauta1.blogspot.com/2008/10/os-caminhos-da-msica-crist-no-brasil.html -


 1. Introdução



Neste pequeno artigo/estudo, queremos fazer uma rápida análise história do uso da música na adoração e evangelização, entendendo um pouco mais de nossas raízes, de nossa herança, e também do que temos visto não só fora, como dentro da realidade no Brasil, além de termos mais alguns elementos para tentarmos tratar e lidar com as questões abaixo:


• Como podemos avaliar a herança que recebemos dos missionários? O que a história nos ensina e aponta?


• Como encarar a música produzida no Brasil hoje, tanto na adoração como na evangelização? Estamos abrindo mão do que cremos?


• Como encarar a cultura no processo criativo? Há limites que devemos respeitar na produção de música considerada cristã?


• Como lidar com as forças do marketing e de consumo tão presente em nosso meio?


• O que precisamos resgatar e não abrir mão na música que estamos fazendo?


• Tudo o que temos visto e ouvido pode ser considerado música cristã?É fundamental levarmos em conta o propósito da música na adoração e na evangelização. Adquirirmos informações e conhecermos mais do universo da música cristã, trará alguns balizamentos e ampliará nossos caminhos para a música que temos feito nas igrejas ou por músicos e compositores cristãos.



2. A música na adoração, nos primeiros séculos do cristianismo e seu desenvolvimento na reforma protestante.


• A música é uma forma legítima de expressão que pode e deve ser usada na adoração. O estudo histórico dos povos da Antiguidade sempre mostra o uso da música como forma de expressão e criatividade do homem.


• A música foi usada como parte das cerimônias civis e religiosas nas civilizações antigas. A música cantada ou tocada era uma importante manifestação do louvor do povo hebreu.


• Em 1 Crônicas 15:16-24 temos o registro do trabalho musical e de adoração feita pelos levitas, trabalho sério, profundo e organizado.


• O Salmo 150 mostra a universalidade da música e das inúmeras possibilidades de uso, considerando as diferentes realidades culturais.


• O uso terapêutico da música esteve sempre presente (modificou o estado de espírito de Saul, trabalha as emoções)


• O trabalho dos poetas cristãos foram sendo incluídos no repertório da igreja primitiva ( Ef 5.19; Col 3.16)


• O Novo Testamento mostra a dependência inicial das práticas judaicas.


2.1 Características da música na época da reforma

• Canto

• Instrumental


• Somente homens e meninos


• Ritmos dependentes dos textos


• Decreto de Constantino (ano 313), Santo Ambrósio (séc IV), São Gregório, papa de 590 a 604.

• Reforma: Lutero (1483-1546), poeta e músico organiza e busca um fortalecimento e depuração doutrinário e a música acompanha esta divisão eclesiástica, buscando suas distinções. A igreja nova procurou restaurar o canto congregacional. “Castelo Forte” torna-se conhecido como o hino da Reforma.


• Faz uso de melodias seculares para seus hinos e cânticos, num claro esforço na evangelização e popularizar as doutrinas da Reforma.


• Calvino se opôs ao uso de instrumentos musicais, cânticos e hinos com divisões e cujas letras não fossem extraídas das Escrituras.


• Historiadores musicais apontam o fato de que buscar melodias seculares para tornar a música cristã conhecida é um acontecimento familiar na história da igreja. 




3. A música na Igreja no Brasil


Os primeiros cânticos evangélicos soam no Brasil no próprio século de seu descobrimento, o mesmo da Reforma. Vários alemães viajantes como Hans Staden, Heliodoro Fobano e Ulrico Schmidel divulgaram a música de Lutero e de outras cantadas pela igreja calvinista na Baía de Guanabara.


a. Primeiro culto evangélico em 1557

b. Século XVII: início da atividade de adoração e música.


c. Século XVIII: silêncio de manifestações musicais


d. Século XIX: hinos de criação anglo-americana trazidos pelos missionários. Período caracterizado pela organização dos hinários eclesiásticos (1855 a 1932) e depois de consolidação (1932). Período fértil na música.


e. Pouca preocupação com nossa cultura, e quase não houve contextualização.


f. Música Cristã Contemporânea (final da década de 60 e início dos 70). O Jesus Movement aconteceu de roldão em meio a um avivamento, onde Jesus e seus ensinos tinham grande ênfase, em vez da institucionalização das igrejas norte-americanas. O grupo musical Love Song teve grande influência nesta época, junto do ministério da Calvary Chapel, do pastor Chuck Smith.


g. O ministério Maranatha Music teve grande influência, principalmente na missão Vencedores Por Cristo, fundada por Jaime Kemp, onde autores de cantatas e hinos como Kurt Kaiser, Otis Skillings, Ralph Carmichael, Don Wyrtzen (PV) tiveram espaço.Correndo o risco de esquecer alguém, permito-me a um flash:Vencedores através de suas gravações e ministério evangelístico, veiculou músicas em novos estilos de adoração e evangelização. Outros trabalhos como da Palavra da Vida (Harry Bolback), e de estilos populares tradicionais como Feliciano Amaral e Luís de Carvalho ganhavam espaço também, e as primeiras gravadoras evangélicas aparecem. Grupos como Novo Alvorecer, Mensagem, PAS, Vozes da Verdade, surgem no cenário evangélico.


h. A gravação do disco “De vento em Pôpa”, rompeu definitivamente com as barreiras culturais, trazendo nomes como Aristeu Pires (Brasília), Guilherme Kerr (Campinas), Sérgio Pimenta (Rio), Artur Mendes e Edy Chagas (Bauru), Nelson Bomilcar, Sérgio Leoto e Gerson Ortega (São Paulo), etc.


i. Tivemos também uma influência do Jairinho Gonçalves e Paulo César (PV, Elo e atualmente Logos), do Janires (Rebanhão e MPC) na evangelização e música jovem, coincidindo com o trabalho de David Wilkerson no Brasil na recuperação de toxicômanos e da igreja Cristo Salva do saudoso Tio Cássio, Maurão no trabalho com crianças, Wolô, excelente poeta junto à ABU, Edilson Botelho (Jovens da Verdade), Som Maior, entre os jovens batistas, Grupo Café entre presbiterianos, cada um dentro de seus estilos, trazendo novos ares para a música cristã.


j. O trabalho de Asaph Borba junto a Seara Evangelística no Sul, hoje Comunidade de Porto Alegre, trouxe novo alento na adoração comunitária e influenciou grandemente a igreja no Brasil., tendo como parceiros de visão Adhemar de Campos (Comunidade da Graça) e Gerson Ortega (VPC, Semente e atualmente na Igreja Cristã da Família), Bene Gomes e Alda Célia com o ministério Koinonia desde 88. Destaque para o trabalho brasileiro do MILAD.


k. Vale o registro do trabalho de Jorge Camargo, Jorge Rehder e João Alexandre pelas inúmeras músicas de louvor e de conteúdo evangelístico registrados em cantatas, discos, CDS, fitas e partituras, além do trabalho contextualizado do Josué Rodrigues, Expresso Luz, Carlinhos Veiga e Quarteto Vida junto à Mocidade Para Cristo.


l. Inúmeros cantores, bandas, ministros de louvor e músicos como Kleber Lucas, Ana Paula Valadão (Lagoinha), Carlinhos Félix, Massao Suguihara, Jônatas Liasch (Natinha), Banda Rara, Oficina G-3, Koinonia (Vitória), Carlos Sider (Mensagem), Gladir Cabral, Arlindo Lima (Belém), Daniel Maia, Maurício Caruso, Maurício Domene, Quico Fagundes(Brasília), David Neto, Hilquias Alves, em trabalhos instrumentais, Cia de Jesus, Cântaro, Sal da Terra, Céu na Boca (Brasília), tem influenciado grupos e regiões diversas.


Na área de coros, hinos, partituras, educação e estruturação de trabalhos musicais em igrejas locais e instituições de ensino teológico-musical, tivemos grande influência de João Faustini, Jaci Maraschin, Almir Rosa, Fred e Edward Span, Dick Torrans, Simei Monteiro, Nabor Nunes, Nelson Mathias e Williams Costa Júnior, nas diversas denominações.


Louvamos a Deus pelo sopro do Espírito Santo em nossa nação nestas últimas décadas. Manifestações de poder, quebrantamento, mais informalidade e autenticidade, maior participação no louvor, edificação, cuidado maior em nossas instituições teológicas de ensino quanto a música, visão profética na adoração, são ganhos e conquistas que não podemos desprezar.


• Tivemos também de relevante numa história mais recente o que chamo de movimento gospel no Brasil, caracterizado mais com formas musicais diversas(pop, rock, etc), bem diferente do gênero gospel original e da música cristã mais comportada feita até então, objetivando alcançar jovens. Uniu-se a esta ênfase, uma visão e estratégia de marketing para popularizar o gênero na mídia, aproveitando da experiência de homens de publicidade, e de um trabalho que hora surgia, o Renascer em Cristo, o que realmente acabou acontecendo.


• Brother Simeon, Katsbarnea desenvolvem um trabalho musical de grande influência entre adolescentes e jovens.




4. O que estamos vendo hoje e o que podemos fazer?


Hoje o que vemos é um leque enorme de opções para a música chamada cristã: o da adoração, o da evangelização, o do entretenimento, atrelada perigosamente ao pano de fundo comercial definitivamente instalado no meio evangélico, o que tem provocado incursões dos artistas e gravadoras seculares cujo objetivo único é explorar no “mercado que representamos”.


Inúmeros cantores, cantoras e grupos têm surgido também em nossas igrejas locais, em função desta realidade.


A mensagem do evangelho tem sido sucateada, colocada em segundo plano, escondida em letras superficiais e que não ajudam a pessoas a conhecerem mais do Deus das Escrituras Sagradas. Pobreza poética, excesso de preocupação com a imagem, mais do que com a fidelidade à mensagem do evangelho que professamos ou com a integridade dos músicos.


Prova disso são as inúmeras “conversões” a uma mensagem que não contém mais chamada ao arrependimento e a uma entrega total ao Senhorio de Cristo. Uma mensagem açucarada, facilitada, sem preço.


Precisamos buscar a excelência no que se faz, isto é, integridade mais beleza e competência no trabalho musical. Pouco se investe no discipulado responsável de músicos em nossas igrejas locais.


Precisamos de moralização e ética em nosso meio. Necessidade urgente de se respeitar direitos autorais e morais, e buscarmos ter um bom relacionamento com trabalhos e ministérios afins.


Fazermos músicas contextualizadas para nossa realidade urbana brasileira, que dignifiquem a mensagem que cremos e professamos. Precisamos de um culto público com uma linguagem que se identifique mais com as pessoas que queremos alcançar.


Reter o que é bom dos modelos que estamos buscando lá fora. Tivemos o momento de “kenolyzação do louvor” e de outros ministérios, como Hosana Music, Integrity, Vinyeard, todos com interesses não só ministeriais, mas comerciais, junto com suas estruturas que aportaram aqui. Pecamos sempre em absorver o que é massificado pela mídia à exaustão e perdemos outros referenciais.


Temos um caminho aberto e enorme para a música instrumental, já que temos hoje excelentes músicos que tem se levantado nas igrejas. Esta geração tem gerado um número enorme de competentes músicos, que precisam ganhar visão do Reino.


Fortalecimento do trabalho com coros, principalmente para ocuparmos espaços nos centros culturais, para a atuação artística e para a evangelização.


Continuarmos com clínicas, encontros, congressos, que nos levem à reflexão do que temos feito, que nos encorajem à uma vida mais consagrada na obra de Deus, usando a música como instrumento de adoração e evangelização.


Estarmos caminhando junto a associações que buscam um melhor desempenho no ministério da música e um bom testemunho do evangelho que abraçamos.



5. Conclusão


Que Deus nos leve para uma vida de adoração em oração, comunhão na Palavra, nos bons relacionamentos em nosso meio e num bom testemunho do evangelho. Que naquilo que fazemos para o Senhor, busquemos o melhor para a manifestação da Sua glória, sendo sal e luz do mundo! Que Deus nos ajude.

sábado, 6 de novembro de 2010

O EVANGELHO HETERÔNOMO

- Sobre o evangelho capenga das canções-
Finney continua sua refutação de várias teorias a respeito do fundamento da obrigação moral desta vez, após escrever sobre a teoria utilitarista, escrevendo sobre a teoria do direito como fundamento da obrigação moral. Segundo essa teoria, “a obrigação é de escolher o objeto de escolha última, não por causa da relação que existe entre a escolha e seu objeto, mas exclusivamente por causa do que é intrínseco ao objeto em si. A relação não é o objeto de escolha, mas a relação é criada pelo objeto de escolha. Qualquer que seja a escolha, a natureza ou o valor intrínseco do objeto, como o bem do ser, por exemplo, cria tanto a relação de justiça como a obrigação de escolher o objeto por ele mesmo”. Isso quer dizer que as pessoas que observam a realidade através dessa teoria escolhem fazer algo porque é direito, e apenas por isso. Essa teoria apresenta seres morais com obrigação de agir moralmente apenas porque a escolha ou intenção é correta ou direita. Isso é agir de acordo com algo externo; a intenção da ação tem seu valor no plano externo ao indivíduo pelo que ela é por si mesma, e não por causa do princípio que a gerou. Por exemplo, há segmentos do cristianismo que tem por costume a prática do confessionário. Digamos que uma pessoa peque e peça perdão ao sacerdote porque obteve a informação de que a ação era má e o conduziria ao inferno, mas não tenha se arrependido. Age-se, dessa forma, segundo o evangelho heterônomo. O valor da ação por ela mesma, nesse caso, é equivocado em seu princípio básico; pedir perdão pelo pecado é se arrepender de ter proporcionado um mal-estar a Deus e ao universo dos outros seres morais através da ação pecaminosa. Foi isso que o próprio Deus quis dizer nas Escrituras quando se referiu ao seu povo como gente que O honra com os lábios, mas que tem o coração longe dEle.

A heteronomia, segundo o teólogo Lourenço Stelio Rega, é algo que tem por fonte uma terceira pessoa ou os resultados esperados. Ela foi por muito tempo “representada pelo absolutismo que, em seus extremos, alcança o legalismo, onde a letra da lei é a norma que tem de ser obedecida a todo custo, para se evitar o castigo ou obter um benefício de Deus”.

O evangelho heterônomo continua em voga hoje quando temos pessoas indo à igreja apenas porque é correto, ou quando se dá o dízimo com medo de ser amaldiçoado, ou quando alguém se converte por motivos externos a conscientização interna, isto é, no seu espírito através do Espírito que conscientiza do pecado, justiça e juízo. Vive-se o evangelho heterônomo quando realizamos nossos cultos de libertação semanal não ensinando os princípios para que o cristão não venha mais necessitar de libertação rotineiramente; agir dessa forma é conveniente se se quer uma igreja cheia, abarrotada de gente.

Lourenço Stelio Rega afirma que o ideal é que achemos outra fonte para nossas ações. Ele diz que “em vez de considerarmos a lei em sua forma literal, é preciso antes levar em conta as razões primeiras que deram origem àquela forma legal, em busca dos princípios que estão por trás das formas literais”. O teólogo dá o exemplo do Sermão do Monte, no qual Jesus compara o chamar alguém de Raca com o homicídio. Jesus traz de volta a essência da Lei, equiparando os pecados ao nível do coração do homem. Mesmo que eu não tenha transgredido uma lei em específico, se causei a morte espiritual de um irmão, eu sou comparável a um homicida. Rega termina dizendo que isso “é o que chamamos de ética por princípios. [...], levam-se em consideração os princípios [...], que passam a ser o ponto de partida e chegada para as decisões”.

Que possamos extirpar esse evangelho heterônomo do nosso meio. Precisamos entender a motivação das leis, pois, assim fazendo, entenderemos a própria natureza do governo moral exercido por Deus. Deus quer que ajamos segundo o entendimento dos princípios de nossa ação, e não por eles mesmos.

* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

* Referência: REGA, Lourenço S. Ética por Princípios. Consumidor Cristão, São Paulo: EBF, n. 67, p. 22, 2009.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O EVANGELHO UTILITARISTA

- Sobre o evangelho capenga das canções-
Ainda tendo como base o teólogo Finney, é necessário falar do evangelho utilitarista. Vou mostrar aqui que a crença no princípio pentecostal da “fé no bom Deus” nos faz agir de acordo com a relação de importância Interesse Próprio>Deus e que, por causa disso, nosso evangelho se fundamenta na utilidade daquilo que se deseja. Ao falar da teoria utilitarista como fundamento da obrigação moral, Finney nos dá um exemplo de como se pensa, ou se acaba pensando, se se tem como base essa teoria e se se age, conscientemente ou inconscientemente, através dela. Diz Finney que “a lei exige que amemos a Deus e ao próximo porque amar a Deus e ao próximo tende ao bem-estar de Deus, de nosso próximo ou de nós mesmos? É a tendência ou utilidade do amor que nos torna obrigatório exercê-lo? Quê! Desejar o bem, não por causa de seu valor, mas porque desejar o bem fará bem! [...] O que, portanto, deve ser intentado como  um fim ou pelo próprio valor dele? Seria a tendência do amor ou a utilidade da intenção última o fim a ser intentado? Deve ser, se o utilitarismo for verdadeiro”.

Ora, é exatamente assim que temos vivido. Quantos de nós desejamos ir à igreja não necessariamente para buscar o Senhor, mas para receber aquilo que de bom nos viria decorrente de tal ação? Digo-lhe que muitos! Muitos são aqueles que não vivem de acordo com os princípios que os tornam cristãos, porém, ainda assim, se comportam como bons cristãos durante as reuniões sociais que para eles se tornam os nossos cultos a fim de conseguir uma paz interior, uma dádiva ou mesmo demonstrar piedade sem necessariamente se conscientizarem de seus erros e se converterem de seus maus caminhos. Pessoas que vivem assim não têm compromisso com o Senhor a não ser consigo mesmas! E mais uma vez quero atentar meu leitor ao fato de que muitos agem dessa forma, mas muitas vezes não têm consciência disso. É a conseqüência da disseminação, através da facilidade de vivência de um cristianismo triunfalista, da interpretação pentecostal, e sua prática, de seu próprio princípio da “fé no bom Deus”.

O fim último do evangelho utilitarista, portanto, não considera aquilo que deveria ser, isto é, buscar o bem-estar de Deus e dos demais agentes morais, mas considera a busca pela utilidade daquilo que é bom e o quanto a busca por isso nos será útil. Os dois caminhos podem ser paralelos, mas não necessariamente seguem na mesma direção. Estar na igreja é bom. Porém, é óbvio que, se eu for à igreja com o fim último de obter um bem material, eu estou indo à igreja porque isso se tornou útil para que eu conquiste meu intento. Nesse caso, o amor a Deus, se estiver presente, não é o interesse maior da pessoa ou não lhe é útil como um fim. Rasga-se, assim, um princípio nos dado pelas Escrituras que é o de amar a Deus com toda a força, alma e entendimento ou de primeiramente buscar o bem-estar do Reino como fim último. Sobre isso nos diz Martinho Lutero que “onde sucumbe a fé e emudece a palavra da fé, surgem imediatamente em seu lugar as obras e as tradições das obras. Por esses motivos, como por um cativeiro babilônico, fomos exilados de nossa terra, [...]. Assim ocorreu com a Missa que, pela doutrina de homens ímpios, foi transformada em boa obra que eles denominam de opus operatum. Presumem que por ela tudo podem obter de Deus. A partir daí chegou-se ao extremo da insânia. Mentiam que a Missa tinha valor em virtude do opus operatum, [...]. E, nessa arena, fundaram aplicações, participações, fraternidades, aniversários e infinitos tipos de negócios de lucro e dinheiro”.

Se agirmos conforme os princípios bíblicos, estaremos vivendo, ou próximos de viver, um evangelho pleno, genuíno e robusto, sabendo e agindo de acordo com o verdadeiro fundamento da obrigação moral. Se não agirmos assim, seremos mais um cristão hodierno vivendo, e obtendo, as mazelas do evangelho capenga que é o evangelho pós-moderno.

* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

* Referência: LUTERO, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. São Paulo: Martin Claret, 2008.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

LEVITAS?

- Sobre as canções do evangelho capenga -
- Texto de autoria de Giancarlo Marx e extraído do blog Genizah http://www.genizahvirtual.com -


Como alguns já sabem, eu sou músico, e atuo com música na igreja há alguns anos. Pra terem uma idéia, aos 7 anos mais ou menos (quando comecei a "violar o tocão") no meio do culto pedia pro meu pai abrir espaço pra eu sentar no palco e tocar uma das duas canções que eu conhecia: "Meu Barco é Pequeno", ou então "Quando Estou com o Povo de Deus", verdadeiros clássicos do cancioneiro cristão (rs).


Vinte e dois anos se passaram desde o garotinho com duas músicas no repertório, nesse tempo eu vi e ouvi muita coisa. Desde a superproduzida galera do Salt, passando pelos "corinhos" singelos e desafinados da Romilda. O som adolescente do Rebanhão, o rock rebelde do Brother Simion. Até chegarem os importados Maranata! e Hosana! (pra quem não conhece, eram dois selos americanos rivais, o avós do Hillsong e do LifeHouse).


Talvez uma das mudanças mais destrutivas que vi nesse período tenha sido a transformação do serviço de música em "Ministério Levítico". Há até o absurdo de um projeto para um programa estilo "Ídolos" que se chamaria "Levitas". Felizmente o projeto não saiu do papel (ainda).


Primeiramente o que é um levita? Trata-se de uma famíla, uma das 12 tribos de Israel, que era destinada a TODO serviço no tabernáculo, e mais tarde no templo. Eles eram músicos. Mas também eram porteiros, faxinheiros, sacerdotes.


Acender o menorá, trocar os pães da preposição, a água da bacia, isso era função do levita. Também eram carregadores. Somente eles eram autorizados a carregar a arca da aliança e as partes do tabernáculo, que eles mesmos montavam e desmontavam sempre que a nuvem ou a coluna de fogo estacionassem em algum ponto do deserto.


Então a música era apenas uma dentre tantas funções dos levitas. Curiosamente o livro de "Levítico" não tem nenhuma canção.


Nesse ponto alguns chegam a pensar: "Então todo mundo que trabalha na igreja deveria ser chamado de levita"... Ao que caberia a resposta: "Se essa igreja não fosse cristã, pode até ser".


Isso porque Jesus, o fundador da SUA igreja, não era levita. Ele era da tribo de Judá, certo? Logo aqueles que foram gerados nele não são gerados pela linhagem de Levi. Isso dá um nó na cabeça.


No capítulo 7 do livro de Hebreus há uma excelente explanação sobre o tema. Sobre Jesus, Paulo afirma que ele é "sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque".


"De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia logo de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e não fosse chamado segundo a ordem de Arão?"


Então Jesus e nenhum de seus seguidores são feitos levitas. (nem mesmo os músicos... rs)


O que nos leva a outro ponto ainda mais delicado. Vejo muita gente falando em "Ministério de Música" ou o pior ainda "Ministério de Louvor e Adoração". Oras, se é de fato um ministério de Louvor e Adoração, podemos definir o que é Louvor e Adoração?


Tecnicamente falando, ja ouvi o Gerson Ortega definir (em linhas gerais) Louvor como exaltação, e adoração como Gratidão. Gostei demais. Mas parece que ele esqueceu de botar a música na parada. Sim, pois os "ministérios de louvor e adoração" que conheço são todos de músicos.


Num outro artigo meu publicado aqui cheguei a definir adoração em espírito e em verdade. Se você der uma olhadinha la vai perceber que essas coisas não são do tipo que podemos confiar que outros façam pela gente. Louvar e adorar não são "ministérios", mas sim atitude daqueles que conhecem o amor de Deus.


Também não gosto de chamar as músicas cristãs de "louvores". Afinal, a canção pode se tornar louvor de acordo com o coração de quem canta. Ou pode se tornar vergonha para Deus, se for entoada em glória própria. Logo uma música também não é louvor, tanto quanto um prato não é comida e um copo não é bebida. A música é apenas um dos possíveis recipientes do louvor, que pode ser expresso das mais diversas formas. Até mesmo lavando os pés do mestre com suas lágrimas e os enxugando com seus cabelos. Quem diria que uma higienização tão peculiar poderia ser uma manifestação de louvor?


Se para você (assim como para mim) parece que ao chamarmos os músicos cristãos apenas de "músicos", e as músicas cristãs apenas de "músicas" estaremos rebaixando-as de categoria, então aparentemente estamos no caminho certo.


"Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado." Lucas 14:11

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O EVANGELHO INTERESSEIRO

- Sobre o evangelho capenga das canções -

Essa faceta do evangelho pós-moderno está profundamente ligada ao que chamei anteriormente de evangelho individual. Poderia dizer, aliás, que este artigo é uma continuação do artigo homônimo citado. Vou, portanto, com este artigo, ampliar o que já foi discutido. Sugiro, para melhor entendimento, que o leitor leia antes o artigo intitulado “O evangelho dos meios”, pois o autor referenciado nesse artigo também é Charles Finney.


Tentando explicar os vários pensamentos e teorias a respeito da obrigação moral que possui aquele que exerce o governo moral, Finney cita a Teoria do Interesse Próprio de Paley. As pessoas que pensam a obrigação moral através do prisma dessa teoria de Paley acabam agindo como se o próprio interesse fosse o bem supremo a ser buscado.


Talvez o leitor ache um absurdo que alguém pense de forma tão interesseira, mas temos de constatar que muitos cristãos pelo menos agem dessa maneira. A falta de amor de alguns por si só já é uma constatação de que não se considera o semelhante da mesma forma ou até mesmo de forma superior a si próprio. As práticas em nossas igrejas também não são tão diferentes; as mensagens dedicadas à satisfação do ego dos ouvintes e as canções entoadas com temas como “você vai vencer” também revelam isso. Nosso cristianismo realmente se tornou interesseiro.


É claro que esse nosso comportamento não se dá pelo entendimento da teoria de Paley, mas é possível encontrar reflexos dela num dos preceitos fundamentais do pentecostalismo; a chamada “fé no bom Deus”. Esse preceito diz que Deus é bom e que deseja o melhor para os Seus filhos. Deus deseja que Seus filhos sejam prósperos, abençoados, saudáveis, etc. Até aqui, tudo bem. Também creio num Deus bom e creio que a bondade dEle e a busca pelo bem-estar máximo do universo o obrigam a ser assim. O problema está em inverter a relação de importância, e isso é permitido pela fé no bom Deus. Por vários motivos, a fé no bom Deus pode servir para que líderes cristãos, visando contribuições altas ou uma igreja sempre cheia, invertam a relação de importância Deus>Interesse Próprio para Interesse Próprio>Deus. Obviamente, isso não é proclamado dos púlpitos (e creio até que muitos pastores e líderes cristãos, com base em suas vivências de “berço” evangélico, por exemplo, nem acredite ou realmente perceba que vive dessa forma. Sobre isso, falarei mais adiante.), mas o fato é que se age dessa forma e, implicitamente, inculca-se através das práticas religiosas a Teoria do Interesse Próprio de Paley.


A teologia da prosperidade, uma teologia claramente voltada ao interesse próprio, veio da fé no bom Deus. Esse é um bom exemplo de como se inverteu as relações.


Não quero dizer aqui que Deus não se importa com nossos problemas, ou que Ele esteja tão longe que não se importe conosco. Mais uma vez, estou alertando para que não invertamos a importância das coisas. É interessante observar hoje como as pessoas na igreja preferem ouvir palavras de satisfação pessoal ao invés de glorificarem a Deus por verdades perpétuas que perpassam a própria existência delas mesmas. Hoje, a mensagem da Cruz tem desaparecido dos púlpitos, as verdades eternas da santidade de Deus, da Sua dignidade e de Sua honra têm sumido de nossos cânticos. Temos preferido cantar sobre promessas e vitória sobre os nossos inimigos. Isso não é nada mais, nada menos que um evangelho interesseiro!


Que Deus nos ensine a viver um evangelho genuíno, tendo em vista sempre a glória dEle. Que possamos verdadeiramente dizer: “menos de nós, Senhor, e mais de Ti”.


* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O EVANGELHO INDIVIDUAL

- Sobre o evangelho capenga das canções -

Donald A. Carson, teólogo, em seu livro “Os perigos da interpretação bíblica”, adverte-nos quanto a falácias que podem ocorrer durante a interpretação dos textos bíblicos. Sua análise se divide em vários tipos de falácias que podem ocorrer com respeito à semântica de um texto, à lógica empregada, entre outros. É importante que tanto pregadores como ouvintes saibam, ou pelo menos tenham alguma noção, de quais serão as “ratoeiras” de entendimento que podem ser usadas, ou nas quais possamos cair, que mudam o entendimento do texto das escrituras.


Primeiramente, há de se convir que o entendimento exato do que um dia foi dito e/ou escrito está muito longe de se ter. O que ainda nos guia no entendimento do texto é o seu contexto. Sendo assim, várias falácias podem ser usadas para que se passe mais do que o texto deseja transmitir, ou para adaptá-lo às experiências pessoais de alguém a fim de que se passem por verdades absolutas baseadas num texto sagrado.


O que chamo de evangelho individual aqui neste artigo é exatamente o que Carson chama de “confusão de cosmovisões” dentro do capítulo de “falácias lógicas”. Como ele próprio define, essa falácia “consiste em alguém acreditar que a experiência e a interpretação da realidade individuais de uma pessoa são a estrutura adequada para se interpretar o texto bíblico”. Numa época em que a teologia da prosperidade impera e os cultos antropocêntricos se proliferam, não há nada mais perigoso que isso. Carson nos dá um exemplo de como isso pode acontecer: “Ouvimos a Palavra de Deus ordenando que tomemos nossa cruz e sigamos o Senhor Jesus Cristo, e transferimos de tal forma nossa experiência individual para o texto bíblico que nossa ‘cruz’ torna-se reumatismo, falta de dinheiro, um parente irascível, um colega de quarto desagradável, uma derrota pessoal ou mesmo (Deus nos perdoe!) um gracejo”. Tudo isso, Carson adverte, são coisas externas. Na verdade, a cruz para os cristãos do primeiro século era a morte dolorosa proporcionada por ela. Isso nos mostra que o entendimento de “cruz” deveria ser interno (nós devemos morrer) e não externo (um problema que venhamos a passar e sofrer).


Tal interpretação, em confusão de cosmovisões, nos faz adaptar os textos das escrituras àquilo que melhor nos convém. Quanto a isso, Carson diz que é necessário que, ao interpretarmos um texto, mantenhamos distância dele. “A menos que reconheçamos a distância que nos separa do texto que está sendo estudado, iremos negligenciar diferenças de perspectiva, vocabulário e interesse; e involuntariamente estaremos transferindo nossa carga mental para o texto, sem nos determos para questionar se isso é apropriado”.


O evangelho individual é aquele que se encaixa e é aplicado de acordo com nossas vontades e conceitos. Muito me espanta, e me faz ficar receoso do futuro de nosso cristianismo, que as pessoas venham à igreja apenas para assistir um culto ou “receber a chave da vitória”. As mensagens são direcionadas às emoções do povo, e quanto mais “glória a Deus” se dá, mais avivada entende-se que a igreja é. Mas será isso realmente o que o evangelho pleno tem a proporcionar aos crentes? Será que não há mais mensagens que venham de encontro ao modo de vida das pessoas para que elas mudem aquilo que não condiz com uma vida de servo de Deus?


Meu desejo, através deste texto, é o de que seus leitores possam estar atentos às manipulações que os que usam da preleção possam fazer e, além disso, submeter sua própria vontade ao texto sagrado, e não o contrário. Precisamos nos distanciar o bastante para não sucumbirmos aos caminhos mentais que possamos tomar diante do texto e que nos leve para longe do seu entendimento, tendo sempre o cuidado de não nos distanciarmos tanto que não venhamos a ser tocados pela Palavra de Deus.


* Referência: CARSON, Donald A. Os Perigos da Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2005.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ENTREVISTA: JOSÉ RUY PIMENTEL DE CASTRO

- Sobre as canções do evangelho capenga -

Entrevista: José Ruy de Castro Pimentel
Ele é professor, músico, cantor, compositor e poeta. Seu trabalho está baseado em três premissas: cantar o que gosta; cantar o que evangeliza e cantar o que reforma. O trabalho musical de José Ruy Pimentel de Castro está estreitamente vinculado ao Ministério Novo Canto, do qual foi líder durante anos, auxiliando o Ev. Geciel Santos.

Nessa conversa com a revista Comunhão, José Ruy fala das idéias que defende em seu recém-lançado livro, "Reflexões sobre a música gospel", onde leva o leitor a pensar o que seria, de fato, uma música evangélica e qual o papel que os músicos cristãos deveriam estar exercendo em prol da evolução espiritual dos crentes.


Produzido em dezembro de 2009 e lançado em janeiro de 2010 pela Oxigênio Books, em parceria com a Arte Editorial, o livro já contava com exemplares vendidos antes mesmo de sair da gráfica e é distribuído para todo o país, podendo ser adquirido através do site www.arteeditorial.com.br. O autor mantém um blog onde dá continuidade à discussão sobre os temas tratados na obra. Atualmente, José Ruy está em busca de parcerias para concretizar seu segundo álbum fonográfico. Seu trabalho musical pode ser conferido no site www.myspace.com/zeruy .


Comunhão: O que o motivou a escrever e publicar o livro "Reflexões sobre a música gospel brasileira"?

José Ruy: Eu costumava comprar muitas publicações sobre música gospel, como "O Levita", "Jubilão" e "CCM Magazine". Todas elas traziam como brinde CDs com canções ‘gospel'. Assim, verifiquei uma mudança nas mensagens e nas tendências da música dita gospel, mudança essa que, creio, a levou a ser música muito mais de gênero do que efetivamente cristã. Sendo assim, o livro é minha tentativa apaixonada de alcançar pessoas que possam fazer uma reflexão crítica a respeito daquilo que estão cantando e que possam, a partir dessa reflexão, agir para que possamos ter no Brasil uma música mais cristã sendo feita e ouvida.


O que você espera, efetivamente, a partir da publicação do livro?
Espero ser um agente desconstrutor de tudo aquilo que foi feito na primeira década desse novo século, a qual, para mim, pode ser chamada de ‘década perdida' na música cristã, assim como os anos 80 foram chamados de ‘década perdida' na economia. Muito pouco em contribuição para o Cristianismo poderá ser tirado dela. Os temas das músicas gospel são efêmeros, seguem os modismos mais recentes, os jargões mais populares... É apenas uma designação de gênero musical para se encaixar em termos mercadológicos criados por músicos cristãos para evidenciar canções evangélicas. Resumindo: espero que a música consumida pelos cristãos seja mais cristã! Espero que o meu livro alerte a todos sobre a necessidade disso.


Como você avalia que deverá se configurar o mercado fonográfico cristão brasileiro com a entrada e atuação da Sony e outras gigantes seculares do setor? Isso será bom ou ruim para os músicos e para o público?
Eu vejo com olhos muito positivos. Isso trará uma maior profissionalização e maior oportunidade para artistas cristãos e/ou gospel. A tendência é que esse mercado leve ainda outras gravadoras seculares a criarem selos gospel, assim como já é feito nos EUA há algum tempo. Isso acontece porque a pirataria é menor no meio gospel, devido ao respeito a princípios éticos e morais por parte dos cristãos. Para o público, espero que tudo isso se transforme em produtos mais baratos. Apenas, do mercado não haverá qualquer tentativa de modificar a mensagem gospel, que faz tanto sucesso. Isso tem de partir, portanto, da igreja, músicos e ouvintes da música gospel. Se quisermos uma música gospel mais cristã, teremos, como igreja, de fazer a nossa parte.


Você defende que é preciso discernimento quanto à mensagem trazida pelas músicas que se ouve, e não a orientação por rótulos (música cristã x secular). Por outro lado, aponta a generalizada falta de espírito crítico e de suficiente conhecimento bíblico para tal. Como sair dessa situação?
Precisamos de cultura, maior incentivo à leitura, conscientização da importância disso para uma sociedade melhor e também investimento governamental em áreas essenciais. Creio, entretanto, que a maioria das pessoas não exerce o espírito crítico não por escolarização pouco adequada ou falta de inteligência, mas devido a não serem incentivadas a agir assim. É aqui que posso apontar o encontro do tema do livro, música gospel, com o que é pregado em nossas igrejas. Aquelas cujos crentes são passivos, cuja maioria não vai à Escola Bíblica, ou que não a possuem estruturada, que vêem a crítica construtiva como ‘ir contra o ungido de Deus' (sendo que a crítica sempre foi tão importante para o Cristianismo reformado), igrejas que desejam um povo homogêneo para obter maior controle dos fiéis, essas não fomentam o senso crítico. Para sair disso, é preciso deixar de ‘divinizar' o ser humano, as músicas e o que se faz dentro da igreja. A igreja universal possui como cabeça a Cristo, a igreja local possui como cabeça os seus líderes (que podem ou não estar ligados ao cabeça da Igreja, Cristo).


Como tornar a música um instrumento de evangelização mais eficaz?
A evangelização é eficaz se a mensagem for eficaz, por isso temos de resolver o problema das mensagens da música gospel. Uma música segundo o gosto das multidões, como é feita hoje, só integra às nossas igrejas mais freqüentadores, e não cristãos genuínos. Uma música que evangeliza eficazmente é aquela que mostra ao pecador a necessidade de sua salvação, sua condição miserável diante de Deus e a graça do Senhor revelada através de Jesus Cristo. Se os artistas estiverem fazendo músicas com jargões e modismos, para as quatro paredes da igreja e para ‘crentes', estarão se separando da sociedade e nunca estarão aptos a alcançá-la com suas mensagens. Por isso, acredito que uma boa forma de evangelização é inserir mensagens cristãs em gêneros musicais que não necessariamente sejam gospel. O músico cristão tem de começar a contribuir para o Cristianismo também dessa forma.


Como as lideranças evangélicas poderiam direcionarem melhor o louvor nas igrejas?
O louvor comunitário a Deus deve ser atemporal, desprovido de condições ou necessidades atendidas. O louvor tem de ser teocêntrico. Esse é o melhor louvor, aquele que louva a Deus por Seus atributos, que nunca mudarão: sua dignidade, sua honradez, sua santidade. Não importa se eu vou vencer, se meus inimigos vão se envergonhar com minha vitória, se eu vou triunfar. Não era esse tipo de canção que os cristãos primitivos cantavam quando eram destroçados por leões nas arenas do Coliseu. Eles tinham os olhos postos no Céu! A principal falha da liderança é não reconhecer isso. O antropocentrismo de nossos cultos, teologias de prosperidade e triunfalismo nos fazem louvar a nós mesmos, nossas conquistas e nossas posses.


Como os ministros de música poderiam contribuir para isso?
A análise crítica das canções que entoamos é fundamental para que se exerça melhor esse papel. Há coisas populares que podem e devem ser usadas também se não trouxerem meias-verdades ou equívocos em suas mensagens. O parâmetro é sempre a mensagem. Seria ideal que cada ministro de música pudesse designar pessoas sob sua liderança, como numa pequena comissão, para selecionarem as músicas a serem tocadas dentro da igreja.


Em seu livro, você propõe que a igreja e os evangélicos promovam uma nova reforma e reconduzam ao centro das vidas o verdadeiro Evangelho. Como a música e os músicos podem contribuir para isso?
Justamente exercendo a sua criticidade, avaliando as coisas que estão sendo feitas e suas próprias ações à luz das Escrituras. Não podemos aceitar em nossas igrejas padrões e modismos que sejam opostos às Escrituras, e aquilo que estiver contra as Escrituras deve ser criticado. A música poderá exercer seu papel na ‘igreja reformada sempre se reformando' na medida em que os músicos estiverem compromissados com esse princípio, fazendo músicas que insiram novamente a Palavra de Deus como única fonte de nossa fé.


Como você definiria adoração? Ela só se dá através da música? Fale um pouco sobre isso.
Adoração hoje é comportamental. O padrão mudou após a vinda de Cristo para morrer por nós. A adoração sacrificial foi substituída por um estilo de vida santo, que agrade a Deus. A adoração é muito maior que a música. É feita em todo tempo através do elo que temos com Deus por meio de Seu Espírito derramado sobre Sua igreja. A música é apenas mais uma forma de potencializar nossos momentos de adoração em períodos que chamamos especificamente de louvor, no âmbito individual ou em comunidade.


A que você atribui a resistência de algumas igrejas em aceitar a dança como expressão de adoração? Qual a importância dessa questão hoje, já que as igrejas tradicionais cresceram sem levá-la em conta?
Atribuo a duas coisas: fundamentalismo religioso e decepção com exageros. Essa é uma questão importante, porque fechar-se no fundamentalismo religioso pode se tornar doentio para uma comunidade e desfocar a visão da essência do evangelho. Já os exageros nas danças observados por aí, como movimentos sensuais e momentos de ‘êxtase' espiritual, desacreditam a dança diante dos nossos líderes eclesiásticos. Espero que essa barreira caia, pois realmente creio que a dança possa ser usada como expressão de adoração nas igrejas.


Como avalia a igreja evangélica brasileira hoje?
Creio que a igreja evangélica brasileira é uma igreja com vocação e responsabilidade missionária. É uma igreja forte, e que possui um real desejo de se parecer mais com Cristo. Falta, entretanto, maior base bíblica para isso. Nossos esforços e toda nossa força como igreja têm sido postos em coisas que nunca vamos conseguir, como orar para o fim do carnaval ou mudar nomes de lugares batizados com nomes de santos... Não temos feito a diferença na sociedade naquilo que tange a valores e princípios, não temos feito muita diferença para mudar a situação de assombrosa violência em nosso país e não temos feito muito para combater a corrupção. Acho que um redirecionamento de nossas forças e virtudes para pontos mais importantes é essencial.


Reflexões Sobre a Música Gospel Brasileira: Um Olhar Crítico

O livro de José Ruy de Castro busca fazer uma análise da evolução da música dita gospel particularmente da década de 80 em diante. Questões como o conceito de música gospel, a importância da mensagem em detrimento do estilo e o papel dos músicos cristãos na evangelização estão no foco do autor. É possível adquirir a obra no site da Arte Editorial (www.arteeditorial.com.br), que o distribui para todo o país. José Ruy mantém um blog para dar continuidade à discussão dos temas tratados no livro com todos que tenham interesse. O endereço é www.reflexoesmusicagospel.blogspot.com .

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O EVANGELHO DOS MEIOS

- Sobre o evangelho capenga das canções -

O grande teólogo e avivalista Charles Finney já havia, no século XIX, abordado um assunto ligado ao que eu chamo aqui de “evangelho dos meios”. Entretanto, antes de comentar o evangelho dos meios, necessitamos lembrar daquilo que o próprio autor nos aclara em seu livro “Teologia Sistemática”; o chamado “governo moral”.

 

Temos de falar aqui de lei, necessariamente. As leis que estão ligadas diretamente às verdades primeiras e que não necessitam de provas, principalmente, são as leis físicas ou naturais. Não é necessário provar que eu existo. É um fato absoluto e incontestável. Duvidar disso seria absurdo. Aliás, isso não está ligado ao nosso intelecto para ser provado, como diria Descartes com sua frase “cogito ergo sum”. A existência perpassa isso.

 

As leis naturais existem porque existe um governo natural. Existe uma natureza específica para as coisas da lei física, e o conjunto dessas leis nos remetem à realidade e, por conseqüência, à própria natureza. Não é possível que não aceitemos, por exemplo, a lei da gravidade. Podemos fechar nossos olhos, fingir que ela não existe. Mas isso não muda os fatos. Isso não depende de nós ou de nosso intelecto. Faz parte do governo físico da natureza.

 

Por não aceitarmos o fato que é a lei da gravidade, podemos dizer então que o governo físico é autoritário? De forma alguma. As leis físicas e naturais estão aí para o bem-estar do indivíduo e das coisas que Deus criou e “viu que era bom” (Gn 1).

 

Sigamos agora ao governo moral. O governo moral é composto por leis morais, e a principal característica dessas leis, que as difere das do governo físico, são as sanções. O governo moral só é possível por haver indivíduos morais.

 

A natureza do governo moral está totalmente conectada ao próprio Deus. O fato da existência de Deus só é entendido pela fé. Ou seja, é uma verdade absoluta que só é entendida mediante a fé devido ao fato de que a revelação dessa verdade, aos moldes da discussão sobre verdade de Finney em seu livro já citado, nos é possível através do pré-requisito da fé. Afinal, é necessário que aquele que se aproxime dEle assim o creia (Hb 11.6). De outro modo, isso é impossível.

 

Por não aceitarmos o fato da existência de Deus, podemos dizer então que o governo moral é autoritário? De forma alguma. As leis morais estão aí para o bem estar do indivíduo e do universo. O governo moral abrange Deus e os homens, pois são de natureza semelhante. Afinal, o homem foi feito à Sua imagem e semelhança. Algum homem pode governar moralmente? Sim, se for o mais apto a fazê-lo. Porém, dentre Deus e os homens, é óbvio que Deus seria a pessoa mais apropriada a governar. Sendo assim, o próprio Deus está sob o governo moral exercido por Ele, não podendo contrariar Sua própria natureza.

 

Por haver um governo moral, existem leis morais. As leis existem, como já vimos, não para manter um autoritarismo (se fosse esse o caso, Deus não precisaria estar sujeito a Suas próprias leis), mas para estabelecer o bem-estar de todos os indivíduos. Quando alguém infringe a lei, essa pessoa age de forma contrária ao bem-estar coletivo e está sujeito às sanções da lei de Deus. Mais uma vez, ir contra os fatos do governo moral por mera insubmissão ou rebeldia nos faz tão insanos quanto alguém querendo vencer a lei da gravidade pulando de um avião.

 

Assim, vemos que a própria ética é exatamente a defesa do governo moral, pois dessa nossa defesa e vivência depende o bem-estar dos homens, de Deus, e dos homens para com Deus. O próprio Finney diz que o governo moral é mais amplo que suas leis. Se assim não o fosse, Deus estaria satisfeito com os rituais sem vida e vazios que eram feitos a Ele quando enviou os profetas para falar ao povo de Israel e Judá. Por não estar satisfeito, Deus enviou Jesus para restaurar no coração do homem o sentido da lei e levá-lo ao pleno entendimento do governo moral.

 

Agora sim podemos falar daquilo que é o tema desse artigo: o “evangelho dos meios”. Quero colocar em pauta a nossa conduta como cristãos. Será que temos entendido os princípios do governo moral ou estamos vivendo sob a permissividade da lei, sem atentar ao espírito do governo moral?

 

O evangelho dos meios é aquele que não leva em conta a ética. Sobre isso, nós, cristãos, precisamos aprender muito. Precisamos aprender que tudo aquilo que é para benefício próprio e que pode, pela mais remota possibilidade, prejudicar nosso semelhante é uma ofensa grave a ética e ao governo moral. Sobre isso já dizia Paulo que considerássemos nossos semelhantes maiores que nós mesmos. Fofocas, calúnias, corrupção, compra de produtos falsificados ou uso de drogas (prejudicial à própria sociedade e ao bem-estar dela) são exemplos de afronta à lei que sofrerão as sanções que nela estão ou que o governante moral determinar (caso ocorra uma afronta ao governo que não necessariamente seria uma afronta a uma lei. Lembremo-nos que o governo é maior que a lei, e a lei sem governo é ritualismo vazio e morto).

 

Amigos cristãos, paremos de “baixar” músicas de Internet sem pagar o que é devido pela produção artística. Paremos de trocar por senhas menores as nossas próprias senhas em filas de banco. Paremos de emprestar nossos púlpitos para que nelas sejam repassadas mensagens de apoio político. Ainda sobre política, paremos de nos beneficiarmos de apoio político para a festividade da igreja a fim de barganharmos nosso voto. Pastores, paremos de pensar em nossos membros como meio de elegermos, com o voto deles, o nosso político para dele conseguirmos favores.

 

Em tudo isso, observamos que o fim maior da ética não é devidamente seguido pelo nosso cristianismo. Nosso evangelho tem sido o evangelho dos meios, e não do fim maior, que é a glória de Deus. Temos vivido à margem da lei moral e longe do governo moral e do sentido que deve ter na própria legislação moral. Lembremo-nos que o amor é o maior dos mandamentos e que aquele que não ama não conhece a Deus, como já dizia João em sua primeira carta. Se não consideramos nosso próximo maior que nós mesmos, não amamos nosso próximo como deveríamos e, se não o amamos, não conhecemos a Deus, aquele que exerce o governo moral do universo.

 

E então, será que vamos continuar pulando do avião para testarmos a lei da gravidade?

 

* Referência: FINNEY, Charles. Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: CPAD, 2001.

 

José Ruy P. de Castro (ou Zé Ruy)